Problemas Mundiais e a Lei da Fraternidade Universal (12): Premissas e Instituições Centrais do Marxismo

OS PROBLEMAS MUNDIAIS E A FRATERNIDADE UNIVERSAL:
As Premissas e as Instituições Centrais do Marxismo
(Capítulo XII
da obraTeosofia e Fraternidade Universal“)

139 – “A liberdade é uma grande Deusa celestial, forte, beneficente e austera, e ela não pode nunca descer sobre uma nação por meio dos gritos das multidões, nem pelos argumentos da paixão desenfreada, nem pelo ódio de classe contra classe.” (Annie Besant, O Mundo de Amanhã, p. 138)


Posteriormente examinaremos de forma mais detalhada as relações entre as falhas do modelo liberal, bem como do modelo derivado do Marxismo, com os grandes problemas do mundo. Porém, antes disso, examinemos também as premissas e o modelo marxista.


Premissa: Consciência é Resultante de Forças Materiais

Qual a visão de homem que está no centro da filosofia marxista? A consciência humana é vista nessa filosofia como resultado do conflito ou entrechoque dialético de forças materiais, sobretudo relacionadas às formas de produção e distribuição dos bens econômicos. No materialismo filosófico a consciência é vista como uma simples resultante da evolução das forças materiais da natureza.

Em seu materialismo dialético e historicista, Marx pretende ter descoberto a lei de conflito dialético (tese, antítese e síntese) ligada às disputas pelas riquezas econômicas, a qual explicaria o desenvolvimento da consciência social da humanidade. Essa lei pode ser resumida como o conflito existente em todas as sociedades históricas (exceto num suposto comunismo primitivo pré-histórico) entre exploradores e explorados, ricos e pobres, dominadores e dominados, etc.

Em nosso momento histórico do capitalismo liberal, esse conflito dá-se centralmente entre a classe detentora dos bens e equipamentos de produção econômica (os capitalistas, ou a burguesia) e a classe trabalhadora que possui apenas a sua força de trabalho.

Esse conflito básico é que, fundamentalmente, geraria e explicaria a enorme diferenciação existente ao nível das consciências. Os explorados devido à pobreza, à ignorância e ainda à cultura dominante que justifica essa exploração (chamada por Marx de “ideologia”) tornam-se alienados, ou inconscientes, de seus direitos e possibilidades de desenvolvimento. Os exploradores, devido à riqueza e à educação que lhes confere uma maior visão e abrangência mental, reproduzem as formações culturais que justificam a exploração, isto é, as visões ideológicas de mundo, ou seja, as visões de mundo que justificam a exploração e a dominação.

Mas, ao contrário do Liberalismo que vê o homem com uma desconfiança fundamental, o Marxismo é uma filosofia que vê o homem através de um tipo de otimismo fundamental. Isto porque o Marxismo defende a premissa de que essa diferenciação entre exploração e alienação, que caracteriza a consciência da humanidade até os nossos dias, trata-se apenas de um período na evolução da espécie humana (definido como “pré-história” do homem), uma fase que não só pode ser superada, mas que está fadada a ser superada.

Isto porque, devido ao avanço e à crescente complexidade dos modos de produção econômica (industrialização, urbanização, revoluções científicas e técnicas etc.), a exploração estaria chegando a um máximo e se tornando cada vez mais aparente. Marx afirma, fiel aos seus pressupostos, que os seus próprios estudos que chegaram a essa suposta lei mestra do conflito dialético-material econômico, lei essa que explicaria a alienação etc., já seriam frutos desse desenvolvimento material dos modos de produção característicos dessa nossa época.

Assim sendo, o Marxismo acredita que está chegando o momento evolutivo no qual os explorados, em número crescente, estão se conscientizando dessa exploração, e que através de suas organizações (sindicatos, partidos, etc. – elas mesmas resultado dessa nova consciência social), imporão uma nova ordem, não mais baseada na propriedade privada dos bens de produção, e portanto na exploração, mas sim na socialização desses bens de produção.

Esse período de transição implicaria no uso da força, e num regime temporariamente ditatorial (a ditadura da classe operária). Outros, neomarxistas, sobretudo nesses tempos de amplo domínio do Liberalismo, após o colapso da União Soviética etc., acreditam que essa transição pode se dar dentro dos processos eleitorais típicos das democracias liberais. Mas isso não muda a essência dessa filosofia, e por isso se definem ainda como marxistas, ou neomarxistas.

Mas, o mais importante é que, feitas essas transformações e superada a exploração, essas enormes diferenças de alcance ou abrangência das consciências humanas desapareceriam quase que completamente. Todos os homens saudáveis se tornariam plenamente conscientes em termos sociais. Adviria daí uma era (a verdadeira “história” do homem, posto que ele agora seria consciente e senhor de suas leis) na qual reinaria uma enorme igualdade de abrangência na consciência social dos indivíduos. Restariam apenas as diferenças de temperamentos, tipos psicológicos, etc., mas não mais de níveis de consciência social entre os seres humanos.


O Igualitarismo na Visão de Homem do Marxismo

O homem no Marxismo, ao contrário do Liberalismo, não é visto como um ser basicamente egoísta. Ele é um ser que está em vias de superar para sempre a exploração (o egoísmo cruel), bem como a sua contrapartida que é a alienação. O homem é assim potencialmente bom, e apenas circunstancial ou historicamente mau.

Por isso qualificamos o Marxismo como sendo uma perspectiva de certo modo “otimista”. Mas, em comum com o Liberalismo, essa filosofia também procede a um nivelamento da espécie humana. Não no que diz respeito à situação atual (onde a existência de diferenças seria resultado da exploração), mas sim em termos potenciais. Ou seja, potencialmente todos são igualmente capazes, apenas o meio histórico-material (caracterizado pela exploração) é que ainda não permite essa igualdade.

Forçando um pouco a comparação, apenas para auxiliar a compreensão, podemos dizer que o Liberalismo nivela a humanidade por baixo (“todo homem é lobo do homem”), e o ser humano, portanto, é visto sempre como basicamente dentro de um padrão egoístico. Enquanto que o Marxismo nivela a humanidade por cima, na medida em que acredita que tão logo se modifique o meio histórico-material todos os seres humanos verão suas consciências superarem à alienação, dentro de uma ampla e desimpedida consciência social.


A Filosofia Perene e as Premissas do Marxismo

Não é necessário avançarmos mais nesse exame dos fundamentos do Marxismo. O que vimos até aqui já nos permite confrontarmos essa perspectiva igualitarista do ser humano, com a perspectiva antes apresentada da Filosofia Esotérica, sintetizada pela fraternidade universal, isto é, pela simultânea existência da Unidade essencial, e da Diversidade manifestada de capacidades ou talentos, devido às diferenças de níveis evolutivos psico-espirituais ou Egoicos.

Do mesmo modo que o Liberalismo, também o Marxismo é uma construção lógica, e dificilmente poderia não sê-lo numa época de predomínio do pensamento lógico e cientificista. E assim, seus métodos de ação, suas concepções éticas e de deveres, bem como seu modelo de organização social derivam-se logicamente de suas premissas fundamentais.

Contudo, como é fácil perceber ao contracena-las com as da Filosofia Perene, as suas premissas são também falsas. De um lado, são falsas na medida em que mutilam irreparavelmente o universo e o ser humano ao conceber a ambos como o resultado de forças materiais cegas e, em si mesmas carentes de sentido (apenas o homem lhes dá significância), expulsando assim do cenário humano a glória da sua origem, da sua natureza essencial e do seu destino divinos. E de outro lado, são falsas na medida em que também defendem uma forma de igualitarismo de capacidades e de talentos, senão existente no presente momento, certamente existente em termos potenciais, o que já é mais do que suficiente para gerar noções de ética e de deveres completamente equivocadas, bem como instituições sociais também incompetentes ou incapazes de gerar uma ordem social harmônica, como os experimentos históricos deste século demonstraram amplamente.

Sem a noção de uma Unidade essencial (a qual é necessária ao aceitar-se, por exemplo, a concepção de uma Consciência Divina Una), e sem a noção das diferenças evolutivas das consciências humanas, como seria possível derivar-se uma lei de conduta correta? Isto é, concepções éticas e de deveres que possam adaptar as noções perenes de bem e de mal, com as condições relativas das diferenças de níveis de desenvolvimento, o que implica em deveres diferentes, de acordo com as capacidades.

Como ambas as coisas são negadas no Marxismo, em troca de um materialismo e de um igualitarismo inconsistentes, é apenas lógico que esse tenha inspirado tanto uma ética quanto métodos de transformação social brutalmente cruéis. Na verdade, ao menos no que diz respeito a alguns aspectos, tanto ou mais cruéis que a ética utilitarista e a grande exclusão social que caracterizam o Liberalismo. Os horrores gerados pelo regime soviético, e de outros países que adotaram um modelo marxista, são hoje conhecidos e dispensam maiores comentários.


Um Modelo sem Liberdade, Geralmente de Partido Único

Examinemos brevemente, no entanto, o modelo de organização política diretamente ligado a essa filosofia, que é aquele relativo à chamada ditadura do proletariado.

O modelo tipicamente derivado do Marxismo é uma ordem autoritária muito pouco flexível, uma forma de totalitarismo, que exclui da disputa política partidos e candidatos que não o apoiem. Geralmente temos um quadro de partido único, ou pelo menos ampla e inflexivelmente dominante, como podemos observar hoje, por exemplo, na China e em Cuba.

Ali o sistema de representação, ou de escolha das chefias políticas, o qual se dá basicamente dentro do partido único, não segue a norma do sufrágio de massa, porém ocorre através de um sistema do tipo piramidal, também conhecido como “árvore invertida”.

Nesse sistema a representação ocorre escalonadamente em alguns níveis de amplitude crescente. Assim, a representação começa em pequena escala, com a eleição de representantes em uma “célula”, que é o primeiro nível de organização, o qual corresponde a um local de trabalho (uma fábrica, por exemplo), ou uma pequena localidade geográfica, como um bairro, e segue a partir daí, indiretamente, através de outros níveis de abrangência geográfica cada vez maior (seções, federações, ou denominações análogas), até chegar a um conselho superior da república, isto é, um Congresso Nacional, o qual por sua vez escolhe um Comitê Central, o qual designa um Secretariado e outras comissões que se fizerem necessárias às funções governamentais de maior responsabilidade política do Estado.