Problemas Mundiais e a Lei da Fraternidade Universal (13): Falhas dos Modelos Políticos Atuais

OS PROBLEMAS MUNDIAIS E A FRATERNIDADE UNIVERSAL:
As Falhas dos Modelos Políticos Atuais
(Capítulo XIII
da obraTeosofia e Fraternidade Universal“)

140 – O Ideal é que sejam os melhores que governem; mas como encontrá-los, eis o problema. Cada um de nós que estuda deve tentar resolver esse problema, e as sugestões que aqui estou dando talvez contenham algumas indicações para essa solução. Mas não podereis resolvê-lo enquanto não compreenderdes a inutilidade da atual maneira de governar – ou de não governar. (Annie Besant, Os Ideais da Teosofia, p. 34; grifos nossos)


A fim de podermos perceber melhor como os problemas mundiais estão relacionados com as falsas concepções de ser humano que nos são apresentadas, tanto pelo Liberalismo, quanto pelo Marxismo, precisamos examinar mais detalhadamente os modelos de organização social que delas se derivam. Isso é necessário porque, como dissemos, essas falsas concepções se relacionam com os problemas concretos da humanidade através da intermediação das principais instituições que organizam a vida social. Essas instituições se constituem em aplicações práticas, ou modelos que estruturam concretamente as nossas vidas diárias, que são, esses sim, diretamente derivados desses pressupostos abstratos, ou dessas premissas a respeito do ser humano.

Se quiséssemos ser um pouco mais precisos deveríamos dizer que essa intermediação ocorre em primeiro lugar através da influência sobre o comportamento da elite, na medida em que ele é afetado por uma determinada visão de mundo. Em vista da elite ser tão dominante, é o seu comportamento que inevitavelmente se projeta sobre o todo da sociedade, dando forma às suas principais instituições ou modelos de organização social (política, economia etc.).


A Importância dos Modelos de Organização do Poder

Entre todas as principais instituições de uma sociedade, concretizadas através do comportamento e das ideias dominantes na elite, a mais nevrálgica ou vital, aquela da qual necessariamente dependem as outras grandes instituições de uma sociedade, é o modelo ou a forma como o poder é organizado e distribuído dentro desse corpo social. É claro que todas as grandes instituições de uma sociedade interagem e influenciam-se mutuamente e, portanto, a importância de nenhuma delas deve ser negligenciada. No entanto, todas as grandes leis que em grande medida balizam a existência dessas outras instituições, bem como a tomada de decisões que envolvem imensas quantidades de recursos, dependem vitalmente da forma como o poder está estruturado.

Isto necessariamente é assim porque é a estrutura política que regulamenta a maneira como serão escolhidos os principais legisladores e governantes. E são eles que decidirão a respeito das principais leis constitutivas, bem como são eles que decidirão a respeito da aplicação prática de gigantescos volumes de recursos. Em sua obra Theosophy As the Masters See It (Teosofia Como os Mestres a Veem), Clara Codd escreveu sobre essa importância das instituições políticas nos seguintes termos:

141 – A política é o mecanismo pelo qual as reformas sociais e econômicas são finalmente realizadas, e na esfera do Governo, tão crucialmente quanto nos departamentos das reformas sociais e econômicas, princípios universais de orientação estão da mesma forma tristemente faltando, e o efeito dessa carência nessa área é ainda mais desastrosamente aparente. E tanto mais assim, porque o Governo é a síntese final do Estado, e o órgão onde se definem as relações nacionais e internacionais. Deveria apenas esse campo permanecer não iluminado pela luz da Sabedoria Antiga, e deveríamos nós negar a verdade descoberta pelos grandes sindicatos, de que o poder político é o supremo poder físico? [Clara Codd. Theosophy As the Masters See It (Teosofia Como os Mestres a Veem), p. 103; grifos nossos]


Crítica dos Modelos Políticos Depende da Lei da Fraternidade

A forma como se estrutura ou se organiza o poder é, portanto, crucial para o bem-estar de qualquer sociedade. A compreensão desse ponto não parece ser muito difícil e, talvez, seja uma coisa razoavelmente bem conhecida. No entanto, mesmo no nível da elite as pessoas encontram enormes dificuldades para perceber que as grandes instituições que organizam e distribuem o poder, isto é, as grandes instituições dos modelos políticos do Liberalismo e do Marxismo são muito inconsistentes, ou muito insatisfatórias, ou ainda muito incompetentes no cumprimento de sua função básica de organizar o poder numa sociedade. E, assim sendo, a maioria da elite falha em perceber que é precisamente a incompetência dessas instituições que é diretamente responsável por grande parte dos graves problemas enfrentados por essas sociedades.

Essa dificuldade generalizada de perceber claramente o fracasso desses modelos tem como explicação o fato de que somente é possível essa percepção quando se leva em conta as enormes diferenças de maturidade psico-espiritual na população e, consequentemente, as enormes diferenças de capacidades mentais e morais (ou de caráter). Em resumo, essa clara percepção da incompetência dos modelos dominantes somente é possível quando esses são analisados à luz da Lei da Fraternidade Universal. Em vista disso, torna-se lógico o fato de que tão poucas pessoas se apercebam claramente da incompetência desses modelos, uma vez que, infelizmente, como escreveu a Dra. Annie Besant, em citação antes apresentada, “a fraternidade é tão pouco conhecida em nosso mundo”.

Por essa razão é tão importante a perspectiva da humanidade como uma Fraternidade Universal. Também por essa razão nos preocupamos tanto em apresentar um perfil confiável e claro dessas diferenças à luz da Filosofia Perene. Nem mesmo dentro da Soc. Teosófica, como dissemos antes, a qual tem como ideia mestra a fraternidade universal, e como objetivo principal a criação de um núcleo dessa fraternidade, os membros possuem uma visão razoavelmente clara a esse respeito. Essa dificuldade fica muito reforçada porque, conforme vimos antes, a fraternidade universal não costuma ser vista como uma lei, a qual inclui tanto a Unidade quanto a Diversidade como os aspectos fundamentais da manifestação humana. A Dra. Annie Besant tem uma passagem muito interessante a respeito dessas dificuldades de compreensão e de aplicação da lei da fraternidade entre os membros da Soc. Teosófica:

142 – Para compreender a Fraternidade, devemos lembrar que a evolução se realiza por meio da reencarnação e sob a lei do carma. (…) A maioria de vocês acredita nesses dois grandes ensinamentos e em suas vidas individuais eles desempenham um papel muito importante. Por que vocês não os aplicam para as nações tanto quanto para os indivíduos, para os problemas sociais tanto quanto para o auxílio de seu próprio desenvolvimento pessoal? À medida que as ideias da reencarnação e do carma conquistarem as mentes do mundo ocidental, que tem o hábito de aplicar princípios à prática, penso que a Fraternidade sob as leis da reencarnação e do carma resolverá muitos dos problemas sob os quais o mundo está padecendo em nosso tempo. (Os Ideais da Teosofia, p. 25; grifos nossos)


As Funções de um Sistema Político

Quando levamos em conta essas diferenças fica muito claro que um sistema político competente deve responder satisfatoriamente a duas grandes necessidades relativas à organização do poder em uma sociedade. A primeira delas é oferecer um processo de escolha dos principais legisladores e governantes, por meio do qual possam chegar a esses cargos de maior responsabilidade dentro de uma sociedade os indivíduos realmente mais capacitados, tanto em termos éticos quanto técnicos. E, em segundo lugar, deve garantir que esses dirigentes sejam dotados dos meios de coerção adequados, isto é, de uma quantidade suficiente de poder ou força que seja capaz de impor o respeito à norma legal, isto é, às decisões emanadas desses legisladores e governantes.

É indispensável que haja uma compreensão bem clara a respeito da importância decisiva dessas duas funções de um sistema político, tanto para que se possa elaborar um bom diagnóstico das falhas dos sistemas atuais e, portanto, se entenda como são gerados os problemas mundiais, quanto para que se vislumbre a possibilidade da construção de uma ordem social satisfatoriamente harmônica. Assim sendo, examinaremos a seguir cada uma dessas funções.

Quanto à importância de um processo de escolha que realmente selecione pessoas capacitadas para os cargos de maior responsabilidade, vejamos algumas citações de N. Sri Ram, que estão relacionadas com esse aspecto:

143 – O que Platão disse permanece até hoje como um estudo interessante. Mas a sua ideia principal de adequar funções com capacidades e qualificações é tão inquestionavelmente correta que não pode ser ignorada impunemente. [On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 94]

144 – A política, que envolve o bem-estar e o progresso de todos que constituem o Estado e afeta outros Estados, é uma atividade séria, que demanda as melhores mentes com um espírito desinteressado, e não deveria ser um jogo de poder jogado com a preponderância de interesses pessoais e de grupo. [On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 82]

145 – Os problemas de um país como a Índia, onde a variedade de línguas, costumes e outras diferenças estão profundamente arraigadas, não podem ser tratados adequadamente, como deveriam ser, senão por uma sábia compreensão e distribuição do poder político. Esse deve ser distribuído entre aquelas pessoas – como encontrá-las é o verdadeiro problema – que o empunharão com a necessária capacidade, experiência e entendimento. [On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 87; grifos nossos]

Essas belas passagens de N. Sri Ram nos revelam os aspectos cruciais da questão. Um processo de escolha competente é imprescindível porque as questões atinentes a uma nação inteira, e ao seu relacionamento com outras, são muito vastas e complexas, tanto assim que apenas muito poucas pessoas, apenas as melhores mentes desinteressadas, talvez estejam aptas para enfrentá-las satisfatoriamente.

Se examinarmos o exemplo muito mais simples de uma empresa, perceberemos mais facilmente que o fato de não se colocar os mais capacitados nos postos de chefia implica num desperdício enorme de recursos. Que dizer então para o caso dos Estados, que são realidades muito mais complexas e, geralmente, muito mais vastas? Nesse caso, não escolher aquelas poucas pessoas qualificadas para essas funções e responsabilidades, significa a certeza não apenas de imensos desperdícios, mas de catástrofes físicas e morais, que é bem o quadro que podemos observar no panorama mundial atual.

Quanto à segunda necessidade apontada, isto é, a da existência não apenas de pessoas capacitadas, mas também de suficiente poder de coerção em suas mãos, a fim de que suas decisões possam ser realmente postas em prática, isso também é fundamental por causa de uma das características básicas do mundo atual, que é a presença de gigantescas organizações, públicas e privadas, que detêm um poder incrivelmente grande em suas mãos, e que o usam para alcançar seus interesses privados ou corporativos.

Mesmo as organizações públicas desenvolvem um “espírito de corpo”, isto é, interesses corporativos, e usam o seu poder enorme em prol desses interesses. Dentro desse cenário, se os dirigentes do Estado não estiverem dotados de um enorme poder de coerção, não haverá a menor chance de que esses interesses gigantescos possam ser regulados e harmonizados em prol dos interesses do bem estar de toda a coletividade.


Os Requisitos de um Processo de Escolha Competente

Ora, o modelo de organização político-social do Liberalismo, a chamada democracia liberal, oferece respostas muito pouco satisfatórias a qualquer uma dessas duas necessidades. De um lado, oferece um processo de seleção aos postos de maior responsabilidade que nem de longe seleciona aqueles poucos realmente capacitados para o exercício dessas elevadas e pesadas responsabilidades. E, de outro, gera uma estrutura estatal débil, totalmente à mercê dos grandes interesses corporativos, isto é, das gigantescas organizações públicas e privadas, cuja existência, como vimos, é uma das características mais salientes das sociedades atuais.

Tentemos entender porque isso assim ocorre. Imaginemos inicialmente um processo de seleção qualquer, um concurso público por exemplo. Se quiséssemos que ele fosse um processo de seleção sério, econômico e competente, isto é, que ele realmente tivesse uma boa chance de escolher os melhores de uma dada população, quais seriam as condições necessárias? Em primeiro lugar deveria existir liberdade para qualquer pessoa participar, a fim de que ninguém fosse de antemão excluído do concurso. Se uma parte da população fosse excluída a priori, digamos aqueles que têm a pele escura, nada nos garantiria que entre aquela parcela, pequena ou grande, da população que possui a pele escura, não houvesse alguém muito qualificado. Assim sendo, a liberdade é um ingrediente indispensável de um processo justo e competente de seleção.

Em segundo lugar, não deveria haver privilégios no processo de escolha, isto é, deveria haver igualdade de oportunidades na disputa, pois se alguém, por exemplo, tivesse o privilégio de saber antecipadamente as questões da prova, essa pessoa certamente obteria o primeiro lugar, mas isso não teria valor algum, não provaria coisa alguma. Isso viciaria irreparavelmente o processo de seleção, o tornaria injusto e incompetente em relação ao seu verdadeiro propósito que é selecionar os mais capacitados etc.

Finalmente, deveria haver uma certa adequação entre o grau de dificuldade da prova, a função para a qual ela está selecionando, e a qualificação ou o nível de compreensão da população em questão. Se, por exemplo, a prova estivesse selecionando auxiliares de escritório, de nada adiantaria uma prova que contivesse apenas questões de cálculo integral. De um lado, esse conteúdo não está adequado ao grau de dificuldade, ao tipo e à responsabilidade da função, e de outro, a população alvo pouco entenderia das questões, tornando o processo de seleção muito pouco significativo. Isso quer dizer que deve haver uma adequação entre o nível de dificuldade e responsabilidade da função e o nível de compreensão da população. Essas condições são praticamente universais em relação a qualquer processo de seleção de recursos humanos, e o caso de um sistema político que busque ser justo e competente não se constitui em nenhuma exceção a essas regras.


Fracasso do Modelo Liberal: Má Escolha dos Dirigentes

A liberdade de participação e expressão é um valor universal, inerente à dignidade humana, e qualquer cerceamento a priori da possibilidade de alguém, ou de algum grupo participar do processo político viciará o processo de escolha por parte da população, e assim por diante. Falando apenas em termos bastante gerais, a garantia dessa liberdade de participação, de expressão, de organização etc., costuma ser razoavelmente bem atendida nas democracias liberais. Essa condição, portanto, não é um grande problema nesse tipo de modelo de organização sociopolítica.

Mas que dizer da segunda condição, que é da igualdade de condições na disputa pelos postos de maior responsabilidade política do país? Haverá igualdade de condições nas eleições de grandes massas que caracterizam os processos de escolha para os principais postos políticos nas democracias liberais? Evidentemente que não, nem de longe! Os processos eleitorais de grandes massas, que geralmente chegam à casa dos milhões de pessoas, não raro muitos milhões de pessoas, caracterizam-se por campanhas caríssimas, as quais envolvem vultuosos recursos de todo o tipo (humanos, materiais, financeiros etc.) e envolvem necessariamente acesso aos meios de comunicação de massa. Ora, a maioria da população possui poucos recursos, e os meios de comunicação de massa geralmente são detidos por grupos privados! O que acontece na realidade desse cenário injusto é que a grande maioria fica completamente excluída de qualquer chance concreta de sucesso em uma disputa tão flagrantemente desigual.

E o resultado disso é bem evidente. A esmagadora maioria dos que se elegem pertencem a algumas categorias bem visíveis. Elegem-se sobretudo os ricos, ou aqueles apoiados e financiados pelos que detêm grandes recursos materiais; elegem-se também aqueles que aparecem com frequência nos meios de comunicação de massa, sejam artistas, atletas ou comunicadores de massa de vários tipos. Cabe repetir que sendo os meios de comunicação empresas privadas, os interesses privados dessas empresas exercem uma “natural” censura, não apenas sobre aquilo que veiculam, mas muito especialmente sobre aqueles que empregam como seus comunicadores de todos os tipos.

Alguém já viu um comunicador de uma grande rede de comunicações criticando os interesses econômicos, ou políticos, ou de qualquer outro tipo do dono da empresa? Bem ao contrário, o que se vê são exemplos de comunicadores, artistas, etc. que perdem seus empregos por discordarem das determinações ou das ideias de seus patrões. O que se sabe bem, igualmente, é do poder imenso dos meios de comunicação de massa, sejam as redes de televisão, ou de rádio, ou mesmo dos grandes jornais e revistas.

Além dessas duas, a última categoria que tem boas chances nesse sistema são os demagogos de todos os tipos. São aqueles que, consciente ou inconscientemente, iludem a população com promessas que não poderão cumprir. É claro que alguns conseguem combinar duas dessas categorias, ou mesmo as três, e aí então temos os fenômenos eleitorais.

Esse quadro tão injusto fica ainda mais agravado quando consideramos a terceira das condições de um bom processo de escolha, que diz respeito à necessária adequação entre o nível da função ou responsabilidade, e o nível de consciência da população. As informações dos capítulos com a perspectiva da fraternidade humana na Filosofia Esotérica nos mostraram o real perfil dos níveis de evolução e, portanto, da abrangência da consciência social da população. A magnitude das limitações de grande parte dessa população foi mostrada de forma clara naqueles capítulos. Sem uma visão nítida daquele perfil e das enormes diferenças de abrangência na consciência social da população não é possível um diagnóstico sério acerca do quão injustas e incompetentes são as instituições dos processos de escolha nas democracias liberais.

Tomemos um exemplo concreto. Qual o sentido da população inteira ser obrigada a escolher os constituintes, através do sufrágio direto universal e obrigatório, quando, de acordo com uma pesquisa do IBOPE, publicada em Zero Hora (7/05/86), poucos meses antes das eleições, no Rio Grande do Sul, que é dos estados com melhores índices educacionais do Brasil, 70,5% da população não sabia sequer o que era uma Assembleia Constituinte? Na mesma ocasião o IBOPE divulgou pela televisão que no Nordeste este percentual chegava aos 90%, e na média nacional 82% não sabia o que era uma Constituinte.

Seria de causar qualquer surpresa que num processo de escolha dos dirigentes desse tipo a população eleja um presidente corrupto? Que ela eleja como deputado federal, um dos postos de maior responsabilidade, um traficante de drogas, e assim por diante? E não se diga que isso é apenas no Terceiro Mundo. Basta ver o exemplo recente da Itália, com tantos escândalos de corrupção, etc. E o do Japão, onde mais de um primeiro ministro foi deposto porque descobriram que haviam sido subornados por grandes empresas, como a Lockheed dos EUA. Ou o caso de Nixon nos EUA. Os exemplos são tantos e tantos que se tornam enfadonhos. E isso que são apenas os conhecidos.

O quadro abaixo, a respeito da credibilidade dos políticos, é bem gráfico acerca dos resultados desse processo de escolha dos dirigentes políticos numa democracia liberal. Esses dados são sobre a credibilidade merecida por aqueles que deveriam ser o que uma nação tem de melhor, pois ocupam os postos de maior responsabilidade. A pesquisa é do IBOPE e foi publicada em Zero Hora, em 09/08/87. A pergunta apresentada foi a seguinte:

146 – Você concorda ou discorda das afirmações abaixo usadas para descrever a atuação dos políticos? A tabulação apresenta os percentuais.

Não sabe/
Afirmações                                              Concorda  Discorda    não opinou
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Só fazem política em interesse próprio                     80%      17             3

Se preocupam com os interesses do povo                30         67              3

Mesmo os honestos acabam se corrompendo        66         26              8

Não cumprem o que prometem na campanha       89          9               2

Só defendem aqueles que ajudaram a se eleger    73         23              4

Desfrutam de muitas mordomias                               92           6              2

Só se lembram do eleitor na hora da eleição           93           6              1

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Esse quadro é um claro atestado acerca da incompetência desse sistema de escolha dos dirigentes políticos. Talvez apenas o quadro de exclusão social, de miséria e violência que vemos como características da organização social de um país como o Brasil, seja um atestado ainda mais claro do fracasso desse modelo de organização política.


Fracasso do Modelo Liberal: Debilidade Inerente

No entanto, não apenas quanto ao processo de escolha dos governantes esse modelo resulta incompetente. Também no que diz respeito à sua capacidade de prover os governantes da necessária força de coerção, sobretudo, como vimos, para fazer frente ao enorme poder das grandes organizações, esse modelo resulta incompetente.

Por que essas grandes organizações são tão poderosas? Em última análise, porque conseguem reunir de forma coesa os esforços de muitos milhares de pessoas, por vezes centenas de milhares de pessoas. Graças a essa reunião coesa de esforços, ainda que por motivações de cunho eminentemente privado, essas organizações apropriam-se de imensas quantidades de recursos econômicos, financiam e subornam dirigentes políticos, e assim por diante. E essas façanhas organizacionais são possíveis porque os seus departamentos de pessoal, entre outros, aplicam com muita eficácia o conhecimento acerca das diferenças de capacidades.

Alguém conseguiria imaginar uma grande empresa, com dezenas de milhares de funcionários, escolhendo seus principais executivos, seu conselho de administração, enfim, seus postos de maior responsabilidade, por meio de um processo de eleições diretas com um voto para cada funcionário? Não! Ou um exército escolhendo seus generais por eleições diretas de todos os componentes da força? Não! A própria Igreja Católica Romana, que do ponto de vista meramente organizacional é um dos exemplos mais bem sucedidos da história, e cujos bispos e cardeais FORA DE CASA apoiam a democracia liberal, não aplica em sua própria casa um sistema tão ineficiente. Os seus fiéis não elegem o Papa, nem sequer os padres, e nem todos os bispos. Apenas certos cardeais participam da escolha do chefe da Igreja!

Ora, os problemas de uma grande nação são muito mais complexos do que os problemas administrativos de uma grande empresa, de uma força armada, ou de uma organização religiosa. Mas os mesmos líderes empresariais, militares, religiosos etc., que para fora de suas organizações pregam as maravilhas do modelo democrático liberal, jamais pensariam em aplicá-lo nas realidades muito mais simples de suas corporações! Essa é a miséria das elites. Isto é, a miséria das ideias que são dominantes ao nível das elites e que, através do comportamento das elites, se projetam como as grandes instituições dos países e do mundo. Pois, como uma vez brilhantemente resumiu a Dra. Annie Besant:

147 – É o pensamento que constrói as nações, tanto quanto aos indivíduos; aquilo que o pensador concebe, aquilo que o profeta declara, aquilo que o poeta canta, aquilo se torna a vida de uma nação, e é posto em prática na organização social. (Os Ideais da Teosofia, p. 36; grifos nossos)

A fraqueza do Estado organizado sob a forma de uma democracia liberal foi atestada, várias vezes, na história recente do Brasil, e de tantas outras nações do Terceiro Mundo, ou mesmo da América Latina. Por que foram possíveis tantos golpes de Estado, e por que serão possíveis tantos outros no futuro? Porque trata-se de um modelo de Estado débil, impotente ante a força das grandes organizações, das quais ele geralmente não passa mesmo de um fantoche, sob o modelo de organização democrático-liberal. E o mesmo fator que explica a força destas corporações explica a fraqueza desse modelo de organização.

Vimos que a força dessas corporações reside no fato de conseguirem reunir, ou organizar, de forma coesa muitos milhares de pessoas. E perante a colossal força dessas corporações unicamente a força gerada por uma boa organização de toda a população de um país poderia impor-se. E é exatamente isso que o modelo democrático-liberal não faz, pois nos sistemas de eleições de grandes massas a população permanece frouxa, fragmentada e atomizada, devido à grande distância que separa os representantes dos representados. E é a boa organização, a coesão, ou a união como se diz popularmente, que gera a força, não a atomização, não a frouxidão fragmentada.

Quando milhões de pessoas elegem diretamente um governante, seja legislativo ou executivo, esse mesmo processo gera um abismo entre eles, do qual advém a fraqueza desse tipo de Estado, em relação às gigantescas corporações, privadas ou públicas, pois mesmo essas últimas desenvolvem um espírito de corpo e interesses “privados”, os quais, em um Estado tão fraco, não há força capaz de controlar. Desnecessário seria dizer que essa fraqueza apenas é reforçada pela ordem de contrapesos dos três poderes, cuja separação, de fato, enfraquece ainda mais o poder central. Esse enfraquecimento, como vimos, é realmente o objetivo visado, o qual é coerente com a concepção de que todo o poder corrompe, e com o ideal de um “estado mínimo” que decorre dessa concepção.

Nesses pontos, em resumo, reside o fracasso do modelo liberal. Como esse texto se dedica especialmente às questões da Soc. Teosófica, antes de passarmos ao exame do modelo marxista, vejamos mais algumas citações de líderes da Soc. Teosófica que enfatizam alguns aspectos dessa análise crítica do modelo liberal:

148 – Indubitavelmente cada homem é competente em sua própria esfera, para dizer o que ele quer para sua localidade ou vila, e para dizer quem a irá servir melhor dentre aqueles que ele conhece. Mas quando se trata de uma questão de decidir assuntos complicados de abrangência nacional e internacional, é uma mera questão de bom senso que somente deveriam poder votar aqueles que têm algum conhecimento a respeito dessas matérias. E por essa razão é que a Dra. Annie Besant insistiu repetidamente, enquanto ela esteve ocupada com esses assuntos na política indiana, que a Índia não deveria, ao elaborar a sua Constituição, aderir ao fetiche do sufrágio de massa sem qualquer tipo de qualificações. (…)

Ela não pensava que a regra ‘um homem, um voto’ fosse boa para qualquer país, e muito especialmente ela não a recomendava para a Índia. (N. Sri Ram, On the Watch Tower, p. 81 e 86)

149 – “Um camponês pode ser sábio nos assuntos de sua vila, mas a sua opinião sobre uma complexa questão internacional provavelmente não será iluminadora. Ele deveria ter sua voz ouvida no primeiro caso, não no segundo. (Annie Besant, Os Ideais da Teosofia, p. 29)

150 – Que dizer a respeito da política? Quanto aos detalhes, francamente, não tenho muito o que dizer, pois nesse momento estou preocupada apenas com princípios. (…) Voltemos na história da Inglaterra e encontraremos o governo dos Reis, e esse construiu a nação que é a Inglaterra. Então houve o governo dos Barões, e eles no conjunto não foram muito mal, pois a Inglaterra dessa época era chamada de Inglaterra Feliz (“Merrie England”), e certamente ninguém sonharia em aplicar-lhe agora esse título. Então veio a Inglaterra dos Parlamentos, tornando-se cada vez mais triste, cada vez mais enfraquecida; e depois a Inglaterra do Comercialismo. E quem é que hoje nos governa? Nem Reis, nem Lordes, nem Parlamento, mas de um lado o Rei Dinheiro (“King Purse”), e de outro o Rei Multidão (“King Mob”). Nenhum desses é um governante com probabilidade de engrandecer essa nação. A liberdade é uma grande Deusa celestial, forte, beneficente e austera, e ela não pode nunca descer sobre uma nação por meio dos gritos das multidões, nem pelos argumentos da paixão desenfreada, nem pelo ódio de classe contra classe. (Annie Besant, O Mundo de Amanhã, p. 137-138)


Fracasso do Modelo Marxista: Falta de Liberdade

Analogamente à análise aplicada ao modelo liberal, vejamos como o modelo marxista responde às necessidades essenciais de um processo de escolha dos dirigentes justo e competente (1: liberdade, 2: igualdade de condições na disputa política e 3: adequação entre níveis de responsabilidade e níveis de compreensão ou capacidade) e, em segundo lugar, vejamos se ele gera a força de coerção política necessária para uma atuação eficaz dos governantes.

Não é difícil perceber que a questão da liberdade, que é o ponto forte do modelo liberal, é o ponto mais crítico do modelo marxista. De um modo geral, nesse modelo aqueles que divergem substancialmente das ideias dominantes não podem sequer participar do processo político. Ficam automaticamente excluídos desse processo.


Fracasso do Modelo Marxista: Oportunidades Desiguais

Também a igualdade de oportunidades desaparece, pelo menos no que diz respeito a todos aqueles que se opõem a esse modelo, uma vez que geralmente apenas os membros dos partidos comunistas têm plenas oportunidades de participação.

No que diz respeito ao aspecto da adequação entre nível de responsabilidade da função e nível de compreensão dos indivíduos, por paradoxal que isso soe à primeira vista (uma vez que se trata de um modelo derivado de uma filosofia que apregoa a igualdade de capacidades de todos os seres humanos, pelo menos em termos potenciais), esse modelo se mostra claramente superior ao modelo liberal.

Isso porque o seu tipo de estrutura de representação ou de escolha dos dirigentes (piramidal, ou “árvore invertida”), garante, de um lado, uma maior igualdade de oportunidades, uma vez que as eleições se dão sempre em grupos muito menores do que no caso do sufrágio de massa – muito embora essa maior igualdade de oportunidades fique muito relativizada se levarmos em conta que ela geralmente se dá apenas dentro do partido. De outro lado, esse sistema permite uma grande adaptação entre funções e capacidades, uma vez que as eleições para os sucessivos níveis de representação vão gradualmente aumentando tanto os níveis de responsabilidade quanto a qualificação da população envolvida, porém, o que é mais importante, sem nunca implicar em eleições de massa.

E justamente por não valer-se do sufrágio de massa, esse modelo, finalmente, organiza muito melhor a população envolvida no processo político, graças exatamente a essa estrutura de representações escalonadas, onde dentro de cada um desses níveis existe uma proximidade muito maior entre os representantes e os representados. Desse modo, ele tende a gerar uma coesão social muito maior do que os sistemas de eleições diretas de massa, os quais, como vimos, devido à grande distância entre representantes e representados, enfraquecem muito a coesão da organização social.

Não obstante, uma vez que se trata de um sistema rígido e que não permite a liberdade de participação etc., ele acaba excluindo uma parcela da elite e, desse modo, acaba gerando resistências e conflitos muito prejudiciais, além de uma inflexibilidade tão grande que acaba por minar a criatividade e, portanto, a vitalidade ou a dinamicidade de todo o sistema.

Seja lá como for, o fato é que esse sistema, embora pagando um preço totalmente inaceitável quanto à liberdade e à igualdade de oportunidades (o que a longo prazo decreta o seu colapso), consegue gerar uma maior adaptação entre funções e capacidades em comparação com o modelo liberal e, ao menos por algum tempo, gera uma coesão social que garante aos dirigentes um grande poder de coerção. Esse fato historicamente permitiu que os experimentos de aplicação desse sistema implementassem profundas transformações socioeconômicas, as quais seriam impossíveis dentro da ambiência de um modelo liberal.

Concluiremos nosso breve exame das limitações e dos pontos favoráveis do modelo marxista trazendo em corroboração à nossa análise duas passagens de Maurice Duverger, seguramente um dos maiores cientistas políticos do século XX. Ao final da segunda citação Duverger deixa claro que também tem fortes reservas a esse modelo como um todo, mas não deixa de reconhecer que possui méritos organizacionais, pois afirma que os marxistas:

151 – (…) desenvolveram uma estrutura ainda mais original, repousando em grupos bem pequenos (de empresa, bairro etc.), fortemente reunidos pelos processos do “centralismo democrático”, e contudo fechados graças à técnica de ligações verticais: esse admirável sistema de enquadramento das massas tem contribuído ainda mais para o êxito do comunismo que a doutrina marxista, ou o pobre nível de vida das classes operárias. (Os Partidos Políticos, p. 40; grifo nosso)

152 – Podemos pensar muitas coisas do Partido Comunista: porém devemos reconhecer que os mecanismos forjados por ele são de notável eficácia, e que não lhes podemos recusar certo caráter democrático, por causa desse cuidado constante de manter o contato da base, de estar “à escuta das massas”. (…) A força do Partido Comunista é a de haver estruturado um método científico que permite alcançar esses resultados, com a dupla vantagem do método científico: maior exatidão; e possibilidade de emprego por todos após uma formação satisfatória. Ainda mais profundamente, o valor desse método vem do fato de que essa força não é puramente passiva, não se limita a registrar as reações das massas, mas permite agir sobre elas, canalizá-las suavemente, prudentemente, porém profundamente. Pode-se deplorar o emprego da ferramenta: deve-se admirar sua perfeição técnica. (Os Partidos Políticos, p. 93; grifos nossos)